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Culinária, cultura e cerveja: Maurício Façanha e o sonho amazônico que virou realidade

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Crédito da foto: Arquivo pessoal.



Na esquina entre a tradição e a inovação, Belém abriga um projeto que é, ao mesmo tempo, restaurante, cervejaria, laboratório criativo e símbolo de resistência cultural. À frente de tudo isso está Maurício Façanha — empresário visionário, ex-executivo de telecomunicações, herdeiro de uma história familiar amazônica e fundador do restaurante Ver-o-Açaí e da TAP House Ver-a-Cerva. Sua trajetória não é apenas sobre empreendedorismo: é sobre honrar memórias, defender raízes e transformar um legado em movimento.


Raízes firmadas no Norte: do regatão ao restaurante


A história de Maurício começa antes mesmo de seu nascimento. Neto de um regatão que desbravava os rios do Amazonas até o Amapá e de uma doceira lendária em Macapá — que faleceu centenária — ele cresceu sob o aroma das panelas da mãe, que sonhava em ver a família reunida em torno de um restaurante.


“Minha mãe sempre dizia que deveríamos vender apenas produtos da Amazônia, porque ela acreditava que tudo daqui era melhor”, relembra. Esse sonho materno, nunca concretizado por ela, passou a pulsar no filho. Após duas décadas no setor de telecomunicações, Maurício decidiu mudar de rota. Quando sua mãe faleceu, em 2013, ele já havia deixado sua última operadora decidido: abriria o restaurante que unisse cultura e culinária. Assim nasceu o Ver-o-Açaí — nome que faz ponte entre o Ver-o-Peso, marco cultural de Belém, e o açaí, ícone da culinária amazônica.

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Crédito da foto: Arquivo pessoal.



Ver-o-Açaí: onde a cultura se serve à mesa


Ao entrar no Ver-o-Açaí, é impossível não notar que o espaço é mais que um restaurante: é um manifesto. “Quando você entra, o reflexo é esse: você vê cultura e vê culinária por todos os lados”, resume o fundador.


Hoje com duas unidades em funcionamento e cerca de 450 lugares somados, o restaurante se prepara para uma terceira empreitada: a abertura da primeira unidade fora de Belém. O local ainda é mantido em segredo, mas Façanha antecipa que será um novo capítulo da marca, pensado com o mesmo cuidado de sempre. “A gente se antecipou à COP30, mas queremos saber como o mercado vai se comportar no pós-evento antes de avançar com mais expansão.”

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Crédito da foto: Arquivo pessoal.



Vera Cerva: a Amazônia em forma de cerveja


Enquanto o Ver-o-Açaí carrega a alma da cozinha, a Vera Cerva é a expressão etílica do mesmo espírito. Nascida dentro do projeto Vera Amazônia, que inclui ainda ideias como a Ver-a Cana, Ver-a-Cachaça e o canal Papo Veropa, a cervejaria surgiu com uma missão ousada: provar que a Amazônia também produz cervejas artesanais de alto nível.


A produção é feita em Manaus, na Cervejaria Rio Negro, e a casa em Belém também abre espaço para rótulos de outros produtores nortistas, como a surpreendente Goldhein, de Capanema. “A pessoa experimenta e pergunta de onde é. Quando digo que é de Capanema, elas se impressionam. É essa a ideia — mostrar que Capanema também produz qualidade.”


A antiga unidade no bairro do Marco foi fechada por limitações físicas, mas a ampliação da casa na Batista Campos está em andamento e deve incluir um segundo andar. “Queremos fazer da Ver-a-Cerva um centro etílico de verdade.”


Inovação de dentro pra fora: o projeto Ver-o-Chefe


Façanha não pensa apenas em expandir negócios. Ele quer formar gente. Desde o primeiro ano do restaurante, criou o projeto Ver-o-Chefe — uma espécie de “MasterChef interno” com três frentes: gastronomia, culinária e coquetelaria.


A equipe inteira se prepara ao longo do ano para o concurso interno. O vencedor ganha uma viagem com Maurício, já tendo visitado cidades como Blumenau, Curitiba, São Paulo e agora, em 2025, o destino será Manaus e o interior do Amazonas. “É uma forma de estimular a criatividade, valorizar talentos e promover crescimento pessoal e profissional.”

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Crédito da foto: Arquivo pessoal.



O desafio de empreender na Amazônia


Se há um mérito que ninguém pode negar a Maurício Façanha é o de enfrentar os paradoxos amazônicos com coragem. “Os dois maiores obstáculos são o tradicionalismo e a profissionalização”, diz.


De um lado, a comparação inevitável com a receita da mãe ou da avó (“A tua maniçoba tá boa, mas a da minha mãe é melhor…”). De outro, o desafio de fazer com que produtores do interior se adaptem a demandas maiores. “Fomos nós que criamos essa nova demanda. Chegamos num produtor que fazia duas sacas de farinha e agora pedimos dez.”


Maurício acredita que o grande problema é quando o capital se sobrepõe à cultura — como no caso do açaí, cuja produção está sendo escoada para fora da região a preços mais baixos. “Precisamos de políticas públicas que protejam a cultura alimentar do açaí. Caso contrário, vamos perder esse símbolo.”


Mais que empreendedor, um defensor da Amazônia


Maurício Façanha conhece a Amazônia como poucos. Já morou em todos os estados da região Norte, do Acre a Roraima, e fala com orgulho sobre essa vivência. “Eu sei disso tudo porque vivi. Conheço essa terra na palma da mão.”


Mas essa paixão vem acompanhada de crítica. Para ele, a política tem atrapalhado o turismo gastronômico. “Belém é capital criativa da gastronomia pela UNESCO, mas ninguém mais fala disso.”


A COP30, segundo ele, poderia ser um marco histórico, mas está se tornando um problema. “Estão inflacionando tudo. Em vez de receber o mundo, estamos assustando o turismo. Precisamos aprender a precificar certo, com visão de longo prazo.”


Maurício acredita que a gastronomia é a chave para encantamento — e a visibilidade da Amazônia deve vir por ela. Mas isso exige seriedade, acolhimento e visão global.


A força que move tudo: fé e pertencimento


Ao ser perguntado sobre sua maior motivação, ele não hesita: “Minha fé, o sonho da minha mãe, e o carinho dos clientes.”

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Crédito da foto: Arquivo pessoal.



para ele, o simples ato de um cliente elogiar o atendimento ou o sabor do prato já vale o dia. “Eu acredito na nossa cultura, no nosso jeito de ser. E um dia o mundo vai enxergar a gente.”


O que move Maurício Façanha não é fama, nem poder. É a convicção de que a Amazônia merece ser respeitada — e que cada prato servido, cada gole de cerveja artesanal, é uma bandeira erguida em nome dessa causa.



📍 Ver-o-Açaí e Ver-a-Cerva não são apenas lugares para comer e beber. São espaços de memória, resistência e futuro.

E quando alguém disser “Égua, que experiência!”, é sinal de que Maurício está no caminho certo.

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