A casa do forno: patrimônio sociocultural da Amazônia paraense
Miguel Picanço
A casa do forno (também chamada de casa de farinha ou retiro) é um dos elementos mais importantes no processo produtivo, que permite que a mandioca se configure em um conjunto de bens alimentícios, como: farinhas (farinha d’água, farinha lavada, farinha seca, farinha de tapioca, etc.), goma, tucupi, beijus, dentre outras comidas – usa-se o termo comidas e não alimentos para reforçar o traço de sociabilidade proporcionado pela comida em situações coletivas, como comensalidade – que atravessam os mercados e as mesas dos habitantes do estado Pará, particularmente da sua capital Belém, assim como das comunidades e centros urbanos desse estado. Nesses territórios do comer e do viver amazônico, caboclo e paraense essas comidas e a própria mandioca conferem considerável importância sociocultural, histórica e econômica (PICANÇO, 2018).

Nessas paragens amazônicas, a casa do forno, ao mesmo tempo em que se constitui em uma instituição socioalimentar, também é compreendida como uma “maternidade”, um laboratório onde a mandioca se movimenta e se converte em um vasto repertório alimentar. Como diria Marcena (2012), a casa do forno é o lugar onde os frutos da mandioca são “paridos”, são “nascidos”, daí a razão pela qual ele a chamou de
Ventre da farinha, nascedoura de todas as farinhas de mandioca preparadas e também dos beijus [...], a casa de farinha se constitui como uma instituição socioalimentar [...], desde os primórdios da invenção da brasilidade. Com o caminhar da invenção do Brasil, a casa de farinha virou uma espécie de instituição nacional da inércia social que sobreviveu a inúmeras mudanças tecnológicas. [...] foi paralelamente à criação do engenho para a fabricação de açúcar, uma das invenções mais importantes durante o processo de construção da América portuguesa. (MARCENA, 2012, p 52).
Desse modo, a casa do forno materializa-se em um espaço fulcral para a história da mandioca e dos habitantes das comunidades rurais do estado do Pará, particularmente do nordeste desse estado onde a referida casa, ao mesmo tempo em que se constitui em um lugar no qual são “paridos” todos os “descendentes” da mandioca, também funciona como um espaço de trocas de experiências, onde o saber fazer as comidas oriundas da mandioca é ensinado, aprendido e perpetuado de geração em geração.

A referida casa, constitui-se, portanto, em uma instituição socioalimentar e educacional, uma “escola” em que, por meios dos processos de ensinar e aprender a fazer as comidas derivadas da mandioca, vai-se forjando o sentimento de pertencimento às territorialidades do comer amazônico, caboclo e paraense.