O homem que escuta o fogo: Fabiano Fussiger e a arte viva do fogo de chão
- Gastronomia Paraense

- 14 de jul.
- 3 min de leitura

Crédito da foto: Arquivo pessoal.
Em tempos de alta gastronomia repleta de espumas, pinças e placas de nitrogênio líquido, Fabiano Fussiger vai na contramão. Para ele, a lenha estala como poesia, a brasa é ciência e o fogo é linguagem viva. No centro de seus varais e estruturas perfeitamente montadas, não está apenas a carne: está a memória, o afeto, a técnica e uma profunda reverência à ancestralidade.
Gaúcho de nascimento e nordestino por paixão e adoção, Fussiger é hoje um dos principais nomes do Brasil quando o assunto é cozinha de fogo. Mas seu primeiro contato com esse universo não foi feito de glórias ou festivais — foi com as mãos sujas de barro, ainda menino, nos fundos da casa da avó. “Ali, sem entender muito, eu já cozinhava com intenção”, lembra. Foi nesse momento que o fogo deixou de ser apenas calor e virou propósito.
Com o tempo, esse menino curioso se tornou um dos mais respeitados assadores do país. Sua marca registrada? Rigor técnico, sensibilidade artesanal e um profundo respeito ao processo. “A ancestralidade vem primeiro. Mas dominar isso exige estudo, repetição. Técnica é o que transforma tradição em excelência”, diz. Em seus montes de lenha e varais de carne, tudo tem uma lógica: o corte escolhido, a altura da brasa, a temperatura do ar, a escolha da lenha. Não há improviso, há orquestra.

Crédito da foto: Arquivo pessoal.
Fussiger é presença constante nos maiores festivais gastronômicos do Brasil. E não vai só para assar: vai para trocar. “Levo mais do que carne — levo vivência, verdade, emoção. Quero que cada pessoa entenda que ali tem respeito pelo tempo e pelo sabor.” Quem prova, sente. Quem assiste, aprende. E quem ouve, percebe que ali fala um homem que escuta o fogo como quem escuta uma música antiga — com reverência e entrega.
Em suas consultorias, Fabiano não ensina apenas como acender a brasa ou controlar o ponto de cocção. Ele forma cozinheiros completos, com visão integrada de cardápio, identidade local e experiência do cliente. “Ensinamos desde a escolha da lenha até a finalização no prato. Tudo tem que ter alma”, resume.
Aliás, se o fogo tem alma, Fabiano é seu tradutor. Com olhos atentos e mãos firmes, domina o calor como quem lê a natureza. “Aprendi a ler a lenha pela textura, o som que ela faz, a fumaça que solta. Fogo não mente. Se errar, ele mostra.” E foi esse domínio que o ajudou em um dos momentos mais desafiadores da carreira: um evento sob chuva intensa, em que precisou manter o calor constante mesmo com vento e umidade sabotando o processo. No fim, o resultado foi impecável — como sempre.
Mas o que realmente o emociona são as experiências que mexem com a memória coletiva. Em Campina Grande, ao preparar um pirarucu moqueado, viu nos olhos do público o espanto de quem prova história e cultura ao mesmo tempo. “Era uma explosão de sabores, texturas e ancestralidade. Muitos ali nunca tinham provado o peixe amazônico, muito menos assim. Isso, pra mim, é o poder do fogo.”
Nos seus workshops, a primeira lição é simples: respeito. Ao alimento, ao tempo, ao processo. “Assar é mais escutar do que falar.” E nessa escuta paciente, ele representa não apenas Campina Grande, mas um Nordeste inteiro que pulsa saberes, brasas e sotaques. “Levar essa fusão da precisão gaúcha com a alma nordestina pros grandes palcos da gastronomia é mostrar que o fogo pode unir histórias, sotaques e sabores.”

Crédito da foto: Arquivo pessoal.
Fussiger não vende carne. Ele conta histórias com
carne. Em cada montagem, há uma narrativa: uma memória de infância, uma homenagem, uma vivência. “O fogo ensina que menos é mais. Que o tempo certo vale mais que qualquer tempero caro. É uma cozinha que exige presença e reconecta.”
E os próximos capítulos já estão sendo escritos. Ao lado do cheff Gerbasi Neto, Fabiano mergulha na Expedição Chefs na Estrada: uma jornada pelos rincões do Brasil onde o fogo é ponte entre o que se come e o que se vive. “Queremos mostrar que a gastronomia de fogo não é só espetáculo — é raiz, território e identidade.”
No fim das contas, ser Fabiano Fussiger é manter viva a chama que começou num fogão de barro feito com as mãos de um menino curioso. É transformar calor em afeto, proteína em memória, lenha em linguagem. “Pra mim, o fogo não é só ferramenta. É caminho, é identidade, é arte viva.”
E em cada brasa acesa por ele, há sempre algo mais do que carne. Há verdade.

Crédito da foto: Arquivo pessoal.

Crédito da foto: Arquivo pessoal.

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